sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Aquela velha sensação pré exame

Quando Horácio escreveu em seu poema a frase “Carpe diem” (na tradução popular: aproveite o dia), ele certamente imaginou as milhares de pessoas que séculos depois teriam que conviver com o pós câncer.
Sim, porque não há alguém que valorize mais o brocardo do que aquele que um dia enfrentou a doença.
É como se fôssemos de alguma maneira chacoalhados pelo mundo real dizendo: “Espera lá, faça planos pra hoje, o amanhã é comigo!”
Todo mundo faz hemogramas, papanicolau, testes de esforço... Então por que motivos tanta ansiedade? O medo de o câncer voltar é pior que o próprio câncer. O medo de contar novamente a notícia a quem amamos, o medo de sentir dor, enjoo, constipação, de ver os cabelos caírem mesmo que as pessoas digam sem graça que “cabelo é de menos”, o medo de uma toxicidade, o medo de não dar certo de novo, o medo de o futuro não chegar...
Não há nada tão angustiante quanto a semana que antecede os exames. Você se pega pensando neles no momento mais banal: amarrando os tênis, estacionando o carro, no meio da refeição, feliz por algo... Daí suplica pra cair no sono e esquecer aquilo tudo e adivinha? Você sonha com os ditos cujos (perdi as contas de quantas vezes chorei e sorri em sonhos). Ao acordar, você tenta interpretá-los pra se convencer que, oras, vai dar tudo certo.
Para quem acredita em Deus, é como se experimentasse enormes diálogos com Ele, como as crianças costumam fazer com o Papai Noel quando chega dezembro; você explica que foi bonzinho e que merece continuar saudável. Que aprendeu a lição e que não precisa enfrentar a doença novamente.
A vontade de continuar fazendo planos e realizá-los continua. A alegria de poder ser igual a todo mundo e ter como pro-ble-mão hora extra no trabalho, vizinho barulhento e trânsito às seis da tarde...
Enquanto o corpo é tomado de adrenalina (e aqui eu falo no mau sentido), você torce, reza, ora e implora para que as imagens mostrem exatamente o que foi visto da última vez. Nunca na vida você quis tanto rotina e mesmice. Enquanto as mãos suam e as pernas tremem, você anseia para que seus órgãos estejam preservados e sadios e, após o sorrisinho do médico, você já sabe...
Um laudo normal é como se fosse um troféu. E quando você ganha esse troféu, tudo o que mais quer é ostentá-lo. Volta a planejar a viagem para os Estados Unidos ou Paris, a volta ao trabalho, a academia, aniversário de 30 anos, compra de uma sandália pro inverno e adivinha só? O itinerário do final de semana.
E daí você liga pra família e conta a notícia, ouvindo um sonoro “Eu já sabia” (com todo o mar de incertezas que rondaram a mente antes de tocar o telefone). Choros, gritinhos, sorrisos. Está aberta a temporada de esquisitices do momento “continuo em remissão, rumo à cura”. 

(Texto readaptado da esposa de um coleguinha de Hodgin Rafaella)